Veganismo ou extinção em massa

O nosso futuro depende do que você come


Especialistas afirmam que já iniciamos a sexta extinção em massa – e a causa é a ação humana. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2013) estima que o nível do mar pode aumentar em até 98 cm até 2100 se as emissões anuais gasosas não forem reduzidas. Um aquecimento médio global de 2oC inundaria cidades, forçando 143 milhões de pessoas a migrar (Foer, 2019). Grandes cidades como Nova York se tornariam inabitáveis. Cerca de 50% das espécies animais e 60% das espécies vegetais seriam extintas, 20-40% da Floresta Amazônica desapareceria e os rendimentos das colheitas diminuiriam consideravelmente (Foer, 2019). 

Se nossa atual taxa de emissão de carbono persistir, o globo aquecerá 2oC até 2038 (IPCC, 2015) – perceba a urgência da questão. Porém, se desejarmos minimizar os danos atribuídos às mudanças climáticas, em vez de apenas garantir nossa sobrevivência, precisamos limitar o aquecimento global a 1,5oC

Isso não significa, no entanto, que nossos problemas estarão resolvidos, pois mesmo um "mero" aumento de 1,5oC pode alterar os ciclos de nitrogênio e água, reduzindo nossa capacidade de produzir alimentos. Por exemplo, um aumento médio na temperatura global de 1-3oC pode reduzir os rendimentos agrícolas africanos em 50% (IPCC, 2019). Portanto, 1,5oC de aquecimento médio do globo é muita coisa! Se as taxas de emissão das indústrias de carnes e laticínios persistirem, o setor pecuário sozinho usará absurdos 80% da quota de carbono para chegar aos 1,5oaté 2050 (IATP e GRAIN, 2018). Note a importância da nossa alimentação. 


Crédito: Photographee.eu (Adobe Photos).

O papel da pecuária nas emissões gasosas


O setor pecuário é o principal emissor de metano (CH4) e óxido nitroso (NO2) e um emissor significativo de dióxido de carbono (CO2). Embora 85% das emissões antropogênicas de CO2 sejam resultantes da queima de combustíveis fósseis, as mudanças climáticas não se limitam às emissões de CO2. Elas são causadas por gases do efeito estufa (GEE) cumulativos no tempo (principalmente CO2, CH4 e NO2) e pelas emissões de aerossóis. O desmatamento impulsionado pela agricultura é responsável pelos 15% restantes das emissões globais de CO2 (CDIAC, 2017). As emissões de sulfato, que resfriam o globo, resultam principalmente da queima de combustíveis fósseis. 

O gado emite metano como resultado da fermentação entérica, sendo o metano um potente GEE com 23 vezes o poder de retenção de calor do CO2 em cem anos (FAO, 2006). A pecuária é a principal fonte de emissões de metano no mundo (37%) (Gerber et al., 2013). Estrume e fertilizantes (cada vez mais usados para cultivar alimentos para animais de produção) são uma fonte importante de N2O, um GEE com cerca de 300 vezes o potencial de aquecimento do CO2 em cem anos (Koneswaran e Nierenberg, 2008; Rao , 2019). 

Vacas leiteiras em lactação produzem em média 48 kg de estrume por dia (considerando animais de 454 kg), o que representa 17 toneladas de estrume por ano por animal (University of Massachusetts, 2002). Imagine o problema que estamos gerando ao criar um bilhão de gado todos os anos, dos quais 250 milhões são vacas leiteiras (CIWF, 2020). 


Crédito: Stephen Finn (Adobe Photos).

Não é à toa que vários meses de lockdown no mundo todo em 2020 contribuíram para um  resfriamento de apenas 0,01°C até 2030, de acordo com um estudo recente publicado na Nature Climate Change (Forster et al., 2020). Os autores estimam que a conversão de combustíveis fósseis para fontes alternativas pode evitar um aquecimento global de meros 0,3°C até 2050. Precisamos fazer mais e rápido!

Devemos considerar também que a pastagem na pecuária ocupa uma área do tamanho da África e que uma área equivalente à América do Sul é usada para o cultivo de grãos para animais de produção (Anthropocene, 2013). Os 37% da área global usada exclusivamente para pastagem sequestra apenas 2% do carbono terrestre mundial (Rao et al., 2015). Ao reduzir ou eliminar a pecuária, podemos sequestrar carbono por meio da regeneração do solo e da vegetação. 

Com base nessas premissas, estima-se que a pecuária seja responsável por 87% das emissões antropogênicas anuais de GEE (Rao, 2019). Por favor leia o artigo completo, escrito pelo engenheiro PhD Sailesh Rao [Clique aqui], para entender os cálculos em detalhe. Uma transição para uma economia global baseada em plantas (onde os animais não são usados para alimentação nem qualquer outro subproduto) reequilibraria o clima e regeneraria os habitats, restaurando a biodiversidade, além de melhorar a saúde humana, que é fortemente afetada pela dieta (Rao, 2019). 

O desmatamento na Floresta Amazônica brasileira de agosto de 2019 a abril de 2020 aumentou 94% em relação ao mesmo período do ano anterior (WWF Brasil, 2020). Estima-se que 80-90% da área desmatada na Amazônia brasileira seja usada para a criação de gado, direta ou indiretamente (Foer, 2019). Aproximadamente 80% da soja cultivada na Bacia Amazônica é utilizada como alimentação animal (Global Forest Atlas, 2020). O Cerrado, que cobre muitos estados brasileiros, também está sendo desmatado para dar lugar às plantações de soja. O Cerrado abriga dez mil espécies de plantas e 5% de todas as espécies vivas do planeta (WWF, 2016). A pecuária (aves, porcos, carne, laticínios e peixes de criação) utiliza 75% da soja cultivada em todo o mundo (WWF, 2016). O restante é dividido entre usos não humanos (biodiesel e ração para animais de estimação), óleo vegetal e, finalmente, comida humana. 


Crédito: Darius SUL (Adobe Photos).

Reduzir a produção e o consumo de alimentos de origem animal é muito mais prático, especialmente a curto prazo, do que substituir os combustíveis fósseis por fontes de energia mais “verdes”. O abandono do petróleo, gás natural e carvão será caro e trará impactos ambientais a curto prazo. Veículos, equipamentos industriais e domésticos e sistemas de aquecimento de edifícios terão de ser adaptados a fontes de energia alternativas, como solar, eólica, marés e biocombustíveis. Muitos terão de ser completamente substituídos. A transição exigirá avanços tecnológicos significativos, investimentos governamentais e pessoais e, até certo ponto, interrupções em nosso estilo de vida. Essa transformação não pode acontecer da noite para o dia. Mas a mudança na dieta pode. 

A pecuária está trabalhando contra o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (que incluem, por exemplo, a mitigação das mudanças climáticas e a produção sustentável de alimentos). As cinco maiores empresas de carnes e laticínios juntas emitem 578 mt de CO2eq por ano, mais do que a ExxonMobil (577 mt), Shell (508 mt) e BP (448 mt) (Figura 1). As indústrias de carnes JBS, Tyson e Cargill juntas geram 484,6 mt CO2eq por ano, 1,3% da quota de carbono que nos aproxima do desastroso aquecimento global de 1,5°C. As emissões de GEE das 20 maiores indústrias de laticínios e carnes juntas (933 mt CO2eq por ano) superam a de países ricos, como a Alemanha (902 mt) e a França (464 mt) (ITAP e GRAIN, 2018). 

Figura 1 – Emissões anuais de carbono das cinco principais indústrias de carnes e laticínios em comparação com as principais empresas de petróleo. Fonte: ITAP e GRAIN, 2018. 

E o que você pode fazer? 


Uma atmosfera 1,5oC mais quente pode levar à dizimação de ecossistemas, derretimento de geleiras, inundações, queimadas, secas, escassez de alimentos e vários outros problemas de repercussão global. É realmente pouco inteligente insistir em nossas "preferências alimentares" diante deste cenário. 

Uma transição para uma dieta com pouco ou nenhum produto de origem animal é a medida mais poderosa que você pode tomar para conter o aquecimento global. De quebra, você ganha em saúde, disposição, dinheiro (uma dieta baseada em plantas é muito mais barata!) e deixa de contribuir com o sofrimento animal, que é inerente à produção de carne, ovos e leite.

Fonte: Animal Equality. [Visitar site]

Claramente, as indústrias e governos devem começar a assumir a responsabilidade pelo impacto ambiental da pecuária. No entanto, nós também temos responsabilidade como consumidores e cidadãos. Tudo o que compramos movimenta o mercado. 

Em uma sociedade madura, devemos evitar produtos que machucam os animais, o planeta e outros humanos. Todas as conquistas sociais da história começaram com algumas pessoas lutando por um mundo mais justo. Seja uma delas você também. 

Crédito: Good Studio (Adobe Photos).

☑ Este material é de autoria de Dr. Camila Perussello, Engenheira de Alimentos e Cientista, e está protegido por direitos autorais. A violação dos direitos autorais é crime, segundo o artigo 184 do Código Penal. Todas as fontes foram devidamente citadas e os créditos das imagens foram dedicados aos respectivos autores/proprietários.

Referências

  1. IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change (2013). Climate change 2013: The physical science basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Link.
  2. Foer, J. S. (2019). We are the weather. Saving the planet begins at breakfast. Hamish Hamilton, London, England.
  3. IATP – Institute for Agriculture and Trade Policy & GRAIN (2018). Emissions impossible. How big meat and dairy are heating up the planet. Link
  4. CDIAC – Carbon Dioxide Information Analysis Center (2017). ESS-DIVE CDIAC data transition. Lawrence Berkeley Laboratory. Link
  5. FAO – Food and Agriculture Organization (2006). Livestock’s long shadow - Environmental issues and options. Link.
  6. Gerber, P. J.; Steinfeld, H.; Henderson, B.; Mottet, A.; Opio, C.; Dijkman, J.; Falcucci, A.; Tempio, G. (2013). Tackling climate change through livestock – A global assessment of emissions and mitigation opportunities. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), Rome. 
  7. Koneswaran, G.; Nierenberg, D. (2008). Global farm animal production and global warming: Impacting and mitigating climate change. Environmental Health Perspectives, 116(5):578-582. 
  8. Rao, S. (2019). Animal agriculture is the leading cause of climate change - A white paper. Available at: Link
  9. University of Massachusetts (2002). Crops, Dairy, Livestock, & Equine Program. Manure inventory. Link.
  10. CIWF – Compassion in World Farming (2020). About dairy cows. Link.
  11. Forster, P. M.; Forster, H. I.; Evans, M. J.; Gidden, M. .; Jones, C. D.; Keller, C. A.; Lamboll, R. D.; Le Quéré, C.; Rogeli, J.; Rosen, D.; Schleussner, C.-F.; Richardson, T. B.; Smith, C. J.; Turnot, S. T. (2020). Current and future global climate impacts resulting from COVID-19. Nature Climate Change, 10:913–919.
  12. Anthropocene (2013). Climate change. http://www.anthropocene.info/short-films.php
  13. Rao, S.; Jain, A. K.; Shu, S. (2015). The lifestyle carbon dividend: Assessment of the carbon sequestration potential of grasslands and pasturelands reverted to native forests. AGU Fall Meeting, 14-18 December 2015.
  14. WWF Brasil – World Wildlife Fund Brazil (2020). Brasil caminha para recorde de desmatamento na Amazônia. Link.
  15. Global Forest Atlas (2020). Soy agriculture in the Amazon Basin. School of the Environment, Yale University. Link.
  16. WWF – World Wildlife Fund (2016). The story of soy. Link.
  17. IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change (2019). Summary for Policymakers. In: Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems. Link.
  18. IPCC – United Nations Intergovernmental Panel on Climate Change (2015). Global warming of 1.5°C, an IPCC special report on the impacts of global warming of 1.5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathways, in the context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable development, and efforts to eradicate poverty. Link.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Engenharia de Alimentos - a profissão do futuro?

O segredo da indústria de ovos: trituração de pintinhos

O poder da vida consciente