O segredo da indústria de ovos: trituração de pintinhos

Trituração de pintinhos vivos - você apoia esta prática? 



Criadores de ovos não têm interesse em pintinhos machos, já que estes obviamente não botam ovos. É por isso que a indústria costuma matar pintinhos com alguns dias de vida por meio de trituração (sim, você leu corretamente) ou asfixia. Somente no Brasil, cerca de sete milhões de pintinhos são mortos por mês [1]. Por ano, são sete bilhões de pintinhos machos abatidos no mundo todo [2].

Você pode estar se perguntando por qual razão a indústria dos ovos não utiliza os filhotes machos na produção de carne, já que o abate de pintinhos parece contraprodutivo. Afinal, 50% dos pintinhos são machos. A explicação é que as indústrias dos ovos e do frango utilizam linhagens diferentes de aves. Frangos de corte precisam crescer a uma taxa muito alta para compensar os gastos com alimentação, medicamentos, instalações e mão-de-obra. Pintinhos de galinhas poedeiras crescem mais devagar, portanto é mais vantajoso abatê-los assim que nascem. 



Crédito: Artem (Pexels.com)

Note que no mundo natural não há diferenciação entre aves poedeiras e aves de corte, justamente porque a Natureza não criou os animais de acordo com os caprichos dos humanos – sério, ela não criou 😉. Os humanos é que têm cruzado aves (e outros animais) sistematicamente de maneira a obter animais com características específicas. Mas voltemos ao abate de pintinhos.

A técnica mais comum no Brasil e nos Estados Unidos é a trituração dos animais vivos em um moedor a alta velocidade. Detalhes no vídeo abaixo.


Trituração de pintinhos na indústria de ovos


Outros métodos incluem asfixia por dióxido de carbono, que causa uma morte lenta e dolorosa, e deslocamento cervical (os pintinhos têm seu pescoço quebrado, por vezes manualmente). Todas as técnicas ocorrem sem anestesia.Em muitas fazendas e incubatórios, os pintinhos são simplesmente jogados em sacos plásticos, onde sufocam até a morte. Você encontra detalhes de investigações no site da Animal Equality [3]

Para quem se consola afirmando que só consome ovos caipiras ou ovos orgânicos, sinto dizer que a prática é a mesma independentemente do sistema de produção. Pintinhos machos simplesmente possuem baixo valor comercial na indústria de ovos.

 

Reconheço o cuidado de quem se preocupa em comprar ovos exclusivamente de galinhas “livres”. Porém, todo sistema que se baseia em lucro ou benefício próprio a partir de criaturas que sentem dor, fome, frio e medo é moralmente questionável. Devemos extinguir a exploração, não regulá-la.

 

Além disso, também há muita crueldade envolvida nos sistemas produtivos caipira, de granja,  e outros considerados mais "humanos". Com exceção da maioria das certificações orgânicas, os outros esquemas permitem certas mutilações consideradas necessárias 😏, como o corte dos bicos das aves – de novo sem anestesia.  As pontas dos bicos são cortadas para reduzir a quebra dos ovos pelas próprias galinhas poedeiras, para evitar brigas entre as aves e para reduzir ferimentos nas fêmeas durante o acasalamento forçado. Por esta última razão, os galos usados para inseminação têm suas esporas cortadas, novamente sem anestesia. As esporas são projeções ósseas que ficam na parte de trás da pata do galo. Imagine a dor


Espora em galos. Crédito: My Pet Chicken.

Poda do bico. Crédito: Animal Equality UK.

💭Vale ressaltar que um dos principais motivos de brigas entre aves de produção é o estresse – confinamento, tédio, frustração, ambientes insalubres, altas concentrações de amônia nos galpões, ferimentos, doenças, etc. Mais detalhes no video abaixo. 


A indústria dos ovos


É provado cientificamente que o corte dos bicos gera dor aguda e também crônica, devido às terminações nervosas abundantes nesta parte do corpo das aves [4]. Outro exemplo de crueldade na produção de ovos é o descarte das fêmeas quando sua produção declina (em torno de 1,5 a 2 anos de idade). Elas se transformam em nuggets e outros processados de frango. Durante sua vida produtiva, galinhas poedeiras (principalmente aquelas mantidas em confinamento) são expostas a todo tipo de sofrimento físico e psicológico. Osteoporose, muda forçada, inseminação forçada, etc. Falarei mais sobre isso em uma próxima oportunidade. 


A vida das galinhas poedeiras. Crédito: Animal Equality UK.


Note que uma pequena parte dos filhotes machos são mantidos na indústria dos ovos para a fertilização das fêmeas. Tudo gira em torno da produção e do lucro. É importante notar que o mercado é movimentado pelo consumo. Sem demanda, não há indústria. Portanto, se você se preocupa com questões éticas e ambientais (falarei do impacto ambiental desta indústria em um próximo post), repense seus hábitos. Considere o veganismo.

E antes que alguém pense que o Brasil é o vilão, deixemos claro que as práticas são muito semelhantes em outros países e continentes. Felizmente, alguns países estão avançando na questão da trituração de pintinhos, embora a passos lentos. A França planeja banir a maceração de pintinhos até o fim de 2021, mas outros métodos de abate continuarão legais [5]. A Alemanha e a Espanha estão trabalhando para banir o abate de pintinhos machos em geral [6,7].

A repercussão negativa da maceração de pintinhos entre os consumidores tem levado a indústria a procurar métodos para identificar o sexo dos filhotes ainda dentro do ovo. Uma empresa holandesa vinculada à Leiden University, chamada In Ovo, desenvolveu um método de identificação que, em teoria, é indolor para o feto e tem 95% de acurácia [8]. A empresa recebeu 2,5 milhões de euros da European Innovation Council (EIC) para avançar as pesquisas. No entanto, pequenas empresas produtoras de ovos certamente não terão o capital para adquirir esta tecnologia.

No Brasil, em 2016, o deputado federal Rômulo Gouveia (PSD-PB) propôs o projeto de lei 4697/2016, visando a proibição da trituração, sufocamento e métodos crueis de abate de pintinhos. A proposta acabou arquivada. 

Tudo isso para salvar uma indústria cruel, poluidora e que envenena a nossa saúde. Um ovo grande possui 275 mg de colesterol. A recomendação é de 300 mg ao dia para indivíduos saudáveis e 200 mg ao dia para pessoas com doenças cardíacas [9,10]. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as doenças isquêmicas do coração e o AVC são as duas principais causas de mortalidade no mundo, tendo causado 15 milhões de mortes em 2016 [11]. As doenças isquêmicas do coração foram a principal causa de mortalidade no Brasil em 2019, totalizando 171 mil mortes [12]. A propósito, colesterol é encontrado exclusivamente em produtos de origem animal. 


Crédito: Klaus Nielsen (Pexels.com)

É hora de sermos inteligentes e entendermos que a nossa falta de compaixão tem retornado a nós de inúmeras formas. Liberte os animais!


Texto por Dra. Camila Perussello, PhD em Engenharia de Alimentos.


Referências e leituras sugeridas:


1 Franco, L. (2020). Triturados vivos: o terrível destino de pintinhos machos na indústria. [Link].

2 Junghanns, K. et al. (2018). Current approaches to avoid the culling of day-old male chicks in the layer industry, with special reference to spectroscopic methods. Poultry Science, 97(3):749-757. [Link].

3 O que há de errado com os ovos? [Link].

4 Sherwin, C. M. et al. (2010). Comparison of the welfare of layer hens in 4 housing systems in the UK. British Poultry Science, 51(4): 488-499.

5 La France veut interdire la castration à vif des porcelets et le broyage des poussins à la fin de 2021. [Link]

6 Germany to delay ban on slaughter of male chicks. [Link].

7 Spain working toward ban on live chick shredding in egg industry. [Link].

8 In Ovo awarded €2.5 million EU grant. [Link].

9 Spence, J. D. et al. (2010). Dietary cholesterol and egg yolks: Not for patients at risk of vascular disease. Canadian Journal of Cardiology, 26(9), e336-e339.

10 Barnard, N. D. et al. (2019) Industry funding and cholesterol research: A systematic review. American Journal of Lifestyle Medicine.

11 Organização Mundial da Saúde (2018). The top 10 causes of death. [Link].

12 Global Burden of Disease. The Lancet. [Link].


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